Por: Por Daiane Costa e David Barbosa/O Globo
30/05/2019 - 11:54:14

Na pequena casa no alto da comunidade do Vale dos Eucaliptos, em Senador Vasconcelos, Zona Oeste do Rio, dona Jurani Mange, de 65 anos, mexe o arroz que cozinha lentamente no fogão à lenha improvisado. A madeira seca já era uma saída utilizada quando faltava dinheiro para comprar o botijão. Há mais de um ano, no entanto, seu fogão a gás quebrou e o jeito foi se adaptar. Com o empobrecimento da população, um quinto das famílias brasileiras já usa lenha ou carvão para cozinhar, mostra a pesquisa Pnad Contínua, divulgada pelo IBGE.

“Minha vista embaça e dói toda vez que mexo com o fogo. Mas não tem para onde correr, pois não tenho como comprar um fogão novo”, lamenta Jurani.

São 14 milhões de lares preparando alimentos dessa forma, um aumento de 27% ou de três milhões de domicílios entre 2016 e 2018. No Sudeste, a expansão foi maior, de 60%.

A crise econômica prolongada e os aumentos do desemprego e do preço do botijão de gás explicam esse salto. Entre 2016 e 2018, período contemplado pelo levantamento, o gás de cozinha acumulou alta de 24% e a taxa média de desemprego passou de 11,5% para 12,3%.

“É um sinal claro de empobrecimento da população”, resume Luís Henrique da Silva de Paiva, cientista social do Ipea.

Alguns metros abaixo da casa de Jurani, Patrícia Aguiar, de 24 anos, cata gravetos secos e pedaços de plástico no chão do quintal, com a filha de 1 ano no colo. O que poderia ser considerado lixo é amontoado e forma uma pequena fogueira, que é acesa com fósforos cedidos pelo vizinho. Sobre o fogo, a jovem equilibra uma grelha e uma panela, onde cozinha o último punhado de arroz do armário.

Desempregada, como o marido, viu seu último botijão de gás, doado pela sogra, acabar no mês passado. Até algumas semanas atrás, usava fogão à lenha, mas o vendeu por R$10 para comprar comida para os três filhos.

“Do que adiantava ter o fogão sem ter o que cozinhar?”, questiona Patrícia.

O Nordeste concentra 35% ou 4,8 milhões dos lares que fazem uso de lenha ou carvão. No Sudeste, onde o salto foi o maior entre todas as regiões, no ano passado havia 2,9 milhões de famílias preparando alimentos dessa forma.

“O que estamos vendo é o resultado prático de uma crise econômica prolongada, que leva as famílias a buscarem toda e qualquer forma de economia”, observa Renato Meirelles, presidente do Instituto de Pesquisa Locomotiva.

Segundo ele, o dado está diretamente ligado ao aumento da parcela da população que vive em condições de extrema pobreza, pois a crise foi mais severa com os mais pobres:

"A crise veio e, com ela, uma redução da rede de proteção social e a contração da economia, que levou o salário mínimo a ficar sem aumento real”.

Em 2001, o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB) criou o Vale Gás, programa de distribuição de renda para auxiliar a população mais carente a comprar o botijão. O benefício, porém, foi encerrado em 2008 e incorporado pelo Bolsa Família.

Em fevereiro do ano passado, o governo federal, ainda sob o comando de Michel Temer, afirmou que estava estudando medidas para reduzir o preço do gás para as famílias de baixa renda, mas não foi implementada nenhuma ação.


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