Por: Rodrigo Foureaux
08/06/2019 - 06:27:09

No dia 31 de maio de 2019, o jogador de futebol Neymar foi acusado por uma mulher de ter praticado o crime de estupro, por ter ficado agressivo e tê-la obrigado a manter relações sexuais em um hotel em Paris.

Eventual processo poderá ocorrer na França ou no Brasil - neste último, em razão do disposto no art. 7º, II, “b”, do Código Penal (extraterritorialidade condicionada).

Para tanto, é necessário que Neymar entre no Brasil; que o fato seja punível na França também (o que é); que o crime esteja entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição (o estupro autoriza a extradição, conforme art. 82, IV e VII, da Lei n. 13.445/17); que o Neymar não tenha sido absolvido na França ou não tenha lá cumprido a pena e que o Neymar não tenha sido perdoado na França ou, por outro motivo, não esteja extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável.

Caso o fato seja julgado no Brasil, a competência será da Justiça Estadual, em que pese haver divergências.

O Superior Tribunal de Justiça[1], em julgado recente, decidiu ser competência da Justiça Federal, quando o crime for praticado no exterior e houver interesse jurídico da união por se tratar de brasileiro inextraditável e em razão das relações com estados estrangeiros e a necessidade de cumprimento de tratados firmados. Nestes casos deve ocorrer a transferência de jurisdição para o Brasil e a competência é da Justiça Federal.

Ocorre que o Supremo Tribunal Federal possui precedentes pela competência da Justiça Estadual e decidiu, recentemente, que o simples fato do crime ser praticado no exterior e a extradição ser negada, não atrai a competência da Justiça Federal, uma vez que não ofende bens, serviços ou interesse da União.[2]

Fixada a competência da Justiça Estadual, eventual processo no Brasil deve tramitar em uma das varas criminais da capital do Estado de São Paulo, uma vez que o último local de domicílio de Neymar no Brasil foi em São Paulo. Como não mais reside no país, deve-se analisar qual era o último estado em que o acusado residia antes de se mudar do Brasil.[3]

Nos crimes de estupro, a palavra da vítima ganha especial relevância, pois, normalmente, são cometidos às escondidas, sem a presença de testemunhas e, muitas vezes, sem deixar vestígios. A palavra da vítima tem que estar de acordo com o conjunto probatório.

Neymar exibiu em suas redes sociais as conversas que teve com a mulher antes de encontrá-la.

Em uma situação de normalidade, exibir conversas tão íntimas para terceiros, ainda mais para milhões de pessoas, caracteriza dano moral, mas ele atuou para se defender de acusações tão graves, o que caracteriza exercício regular de um direito e, consequentemente, afasta os danos morais.

Sob o ponto de vista criminal, em relação ao crime previsto no art. 218-C do Código Penal (divulgação de cena de pornografia/sexo) entendo que não houve esse crime pelas seguintes razões:

a) Neymar foi acusado de um fato gravíssimo e a imagem dele sofreu grave violação perante o mundo;

b) com o impacto negativo da imagem haveria prejuízo para a vida dele como profissional, com possibilidade de ocorrer rompimento de contrato com o PSG, deixar de ser convocado para a seleção e várias empresas não iriam querer mais contratá-lo pra propaganda. Poderia ser um fim na carreira de Neymar como atleta, pelo menos nos melhores times do mundo;

c) ele preservou a imagem e nome da mulher, tanto é que cortou partes que pudessem identificá-la;

d) o próprio tipo penal autoriza a divulgação em algumas situações (art. 218-C, § 2º, do CP), desde que preservada a imagem, sendo possível uma interpretação analógica em prol do réu. Como é possível divulgar para fins jornalísticos, científicos, culturais e acadêmicos, mediante a utilização de recursos que impossibilite a identificação da vítima, quanto mais para fins de se defender;

d) Neymar agiu no exercício regular de um direito (defender-se de uma acusação tão grave) ou em legítima defesa, pois usou dos meios necessários e proporcionais (divulgar as provas que tinha, preservando a imagem da mulher) para repelir injusta agressão (à imagem dele. Não é necessário que a agressão seja física) que era atual;

e) aplicando-se a teoria da tipicidade conglobante de Zaffaroni, não há que se falar em crime, pois para essa teoria todo fato típico exige que a conduta seja antinormativa. Isto é, para a tipicidade conglobante a tipicidade penal resulta da adequação penal mais a antinormatividade. Há adequação penal? Sim (art. 218-C do CP), mas não há antinormatividade. Isso porque a conduta do Neymar não violou todo o sistema normativo, pois é direito dele se defender e apresentar suas versões. No caso o jogador defendeu a sua imagem perante o mundo.

f) A divulgação da forma como ocorreu - sem nome, imagem do rosto e preservação de algumas partes - foi proporcional em vista da gravidade da acusação que sofreu;

No caso, deve haver responsabilidade civil de quem divulgou o Boletim de Ocorrência, pois, em tese, a apuração deveria correr sob sigilo.

Nas situações de estupro, deve-se analisar com muita cautela se o caso não se configura a “Síndrome da Mulher de Potifar”, que consiste em acusar falsamente uma pessoa de ter praticado estupro contra a mulher por ter sido rejeitada.

A teoria mencionada decorre de um contexto bíblico, conforme abaixo exposto[4]:

A teoria supracitada vem do contexto bíblico, no livro de Gênesis, capítulo 39, onde narra a história de José, filho de Jacó, que em razão dos ciúmes de seus irmãos, foi vendido por estes como escravo aos Esmaelitas, e em seguida foi vendido ao egípcio Potifar, o Capitão da guarda real (GRECO, 2011).

No decorrer da convivência entre o escravo e Capitão, José ganhou a confiança de Potifar e passou a administrar sua casa e ficando também responsável por seus bens. Todavia, José despertou interesse na mulher de Potifar, a qual passou a almejá-lo, mas o mesmo sempre negou a cobiça da referida mulher por ser fiel a Deus e ao seu patrono, insatisfeita, a mulher de Potifar decidiu tomar outras medidas agarrando José pela capa e o chamou para manter relações sexuais com ela, momento em que José se desprendeu e conseguiu fugir, porém, sua capa ficou nas mãos da mulher (GRECO, 2011).

Inconformada com a rejeição, com a capa em suas mãos, a mulher de Potifar gritou os servos da casa, acusando José de tê-la estuprado, o que perturbou Potifar, fazendo com que ele prendesse José junto aos demais presos do rei (GRECO, 2011).

Nas conversas de Whatsapp entre o Neymar e a mulher, dá-se a entender que houve relação sexual consentida (não estou falando que houve ou não relação consentida). Porém, há indicativos de que se trata de um exemplo da Síndrome da Mulher de Potifar. Isto é, parece ter ocorrido relações entre eles, depois Neymar não deu mais atenção ou não quis se envolver mais e foi inventado o crime de estupro (é somente uma hipótese).

Pode ser também que tenham combinado tudo e na hora "H" a mulher não quis mais; se houve relação contra a vontade da mulher, ainda que o homem e a mulher já estivessem quase iniciando os atos sexuais, há o crime de estupro. Há o crime de estupro também se estiverem tendo relações e a mulher não quer continuar. Em todos os casos, para que haja estupro, o homem deve atuar mediante violência ou grave ameaça. Todo ato sexual deve ocorrer de forma consentida, do começo ao fim.

Os fatos precisam ser apurados. Caso se comprove que houve estupro, Neymar deve ser condenado nas esferas criminal e na cível; caso se comprove que não houve estupro e se trata de uma hipótese da Síndrome da Mulher de Potifar, a mulher terá praticado o crime de denunciação caluniosa (art. 339 do CP), sem prejuízo de que Neymar a processe por danos morais. Danos morais para uma pessoa que já é multimilionária? Sim, financeiramente para ele não fará diferença alguma e pode, inclusive, doar o valor do dano moral, mas para a mulher que o acusou terá um efeito pedagógico e punitivo.


NOTAS

[1] 4. Compete à Justiça Federal o processamento e o julgamento da ação penal que versa sobre crime praticado no exterior, o qual tenha sido transferida para a jurisdição brasileira, por negativa de extradição, aplicável o art. 109, IV, da CF.” (STJ, 3ª Seção, CC 154656 / MG, rel. min. Ribeiro Dantas, j. 25/04/2018).

[2]  Recurso Extraordinário n. 1.175.638 PR , Relator Ministro Marco Aurélio. 22 de novembro de 2018

[3]  Art. 88.  No processo por crimes praticados fora do território brasileiro, será competente o juízo da Capital do Estado onde houver por último residido o acusado. Se este nunca tiver residido no Brasil, será competente o juízo da Capital da República.

[4] FRANÇA, Fernanda Borges. Síndrome da Mulher de Potifar e a jurisprudência. Disponível em: <https://fernandabf.jusbrasil.com.br/artigos/530487863/sindrome-da-mulher-de-potifar-e-a-jurisprudencia >. Acesso em 03/06/2019.

Autor

Rodrigo Foureaux

Juiz de Direito - TJGO. Foi Juiz de Direito do TJPA e do TJPB. Aprovado para Juiz do TJAL. É Oficial da Reserva Não Remunerada da PMMG. Bacharel em Direito e em Ciências Militares com Ênfase em Defesa Social. Especialista em Direito Público. Autor do livro "Justiça Militar: Aspectos Gerais e Controversos".

 

 


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